CHILDE ROLAND A TORRE NEGRA CHEGOU.
O Poema escrito por Robert Browning em 1855, que foi retirado de uma passagem do clássico de Shakespeare, Rei Lear. Conta a história de uma viagem medieval por uma terra apocalíptica marcada por um sentimento de temor existencial.
Tal poema serviu de inspiração tanto para poetas modernistas como para escritores de ficção científica como Stephen King e Neil Gaiman.
Existe um projeto para adaptação desse poema para o cinema desde 2009 e outra curiosidade é que ela virou música pela banda The Last Alliance:
Abaixo segue o poema:
CHILDE ROLAND, A TORRE NEGRA CHEGOU!
I
Primeiro pensei: ele mentiu a cada
sentença
O coxo encanecido, com olhos cheios de
malícia
Ávidos por ver nos meus de sua mentira
a perícia
E com a boca sem conter a alegria
intensa
Que repuxava seus cantos na crença
De que o predador outra vez se sacia.
II
Qual outro seria o intuito, com seu
cajado?
Qual senão emboscar e laçar os
andarilhos
Que porventura o encontram pelos
trilhos
E vêm pedir direção? Que risada má eu
teria escutado,
Quem deixaria meu epitáfio marcado
Por diversão nos terrosos caminhos,
III
Se ao seu conselho eu devesse me
desviar
Para aquele curso sinistro que, é
sabido,
Esconde a Torre Negra? Porém eu, de
boa-fé imbuído,
Tomei o indicado caminho, sem orgulho
demonstrar
Nem esperança rediviva ao ver o fim se
aproximar,
Mas sim gratidão pela idéia de algum
fim existir.
IV
Pois, se depois de o mundo todo vagar
Se na minha busca ano a ano estendida
Minha esperança tornou-se uma sombra
encardida
E incapaz de com o gozo ruidoso da
vitória lidar,
A festa no meu coração eu mal pude
refrear
Quando este entreviu a batalha perdida.
V
Assim como um doente à beira da morte
Já parece morto, e pressente o pranto
fatal,
e recebe de todos a despedida amical,
E escuta ao longe a saída de outro
consorte
Para respirar lá fora, (não se muda a
sorte,
ele diz, e o pesar não se alivia com o
golpe final)
VI
Enquanto outros debatem junto às covas
Se há espaço para o caixão e que hora
É a mais apropriada para levá-lo
embora,
Sem esquecer dos estandartes, hinos e
estolas,
O homem ouve cada uma dessas estórias
E, respeitando tanta candura, quer
partir sem demora.
VII
Assim, já sofro há tanto nessa jornada
Já ouvi do fracasso o vaticínio e a
confirmação
Para tantos e tantos companheiros da
Afiliação
de cavaleiros que da Torre Negra
atendem a chamada,
Que falhar como eles me pareceu a
coisa acertada
E a única dúvida era: não seria essa
minha função?
VIII
Tão quieto quanto o desespero eu dei
as costas
àquele coxo odioso, abandonando sua
via
e adentrando o caminho apontado. Todo
o dia
havia sido lúgubre, e as sombras,
sobrepostas,
fechavam-se a minha volta, mas uma
olhadela torta,
rubra e carrancuda, ele lançou à
planície todavia.
IX
Por Deus! Logo assim que me encontrei
Jurado à planície, após não mais que
uma passada,
Parei para um último olhar à segurança
da estrada
E nada mais havia, só a planura cinza
avistei
Nada senão a vastidão sob o céu do
astro rei.
Sem mais a fazer, decidi seguir
caminhada.
X
Assim, fui adiante. E creio nunca ter
visto
Natureza tão miserável e ignóbil, onde
nada medra:
Pois as flores - ou mesmo um cedro
entre a pedra,
Embora murchando como pela sua lei
previsto,
Mesmo no abandono perduram, pensaria
você;
Descobrem-se tesouros quando a casca
quebra.
XI
Mas não! Penúria, feiúra, inércia
Em condição estranha está essa parte
da terra
"Veja, ou feche os olhos", a
Natureza berra
"Não há escapatória: ela é de
todo néscia,
Só o fogo do Julgamento Final trará a
panacéia,
Calcinando o chão e livrando os presos
que ele cerra."
XII
Se havia ali alguma ressequida haste
de cardo,
Seus colegas não se achavam, e o talo
estava decepado.
O que fez aqueles buracos e rasgos no
folhado
escuro e duro da bardana, tão
machucado
que era impossível pensá-lo
regenerado?
Era preciso que um bruto as tivesse
pisoteado.
XIII
Quanto à relva, era como o cabelo
escasso
Dos leprosos; magras lâminas secas na
lama
Que parecia ter por baixo uma
sangüínea trama.
Um cavalo cego e rijo, ossos à vista,
lasso,
Parava ali, estúpido; havia chegado
àquele pedaço:
Rebento que o garanhão do diabo não
reclama!
XIV
Vivo? A meu ver poderia muito bem já
ter partido,
Com seu pescoço rubro, descarnado e
macilento.
E os olhos fechados por sob o pêlo
bolorento;
Nunca o grotesco andou à desgraça tão
unido;
E jamais senti por criatura ódio tão
ardido:
Ele deve ser mau para merecer tal
sofrimento.
XV
Fecho meus olhos, e os volto para o
meu coração,
Como um homem que pede vinho antes de
lutar,
Visão mais feliz, de outro tempo, eu
quis saborear
Para ficar mais apto a encarar minha
missão.
Pensar antes, lutar depois, eis do
soldado o bordão:
Um vislumbre do passado pode a tudo
acertar.
XVI
Mas não! Imaginei de Cuthbert a face
corada
Em meio a seu adorno de cachos
dourados,
Querido amigo, eu quase o senti laçar
meus braços
Para me colocar a postos na caminhada
Como ele sempre fez. Ai, noite
desgraçada!
O fogo no meu coração se apagou,
deixando-o gelado.
XVII
Giles então surge - ele que é da honra
a alma,
Leal como há dez anos, quando tornou-se
cavaleiro
Capaz de ousar tudo que ousaria um
homem verdadeiro
Mas - argh - a cena se modifica! Um
carrasco infama
seu peito com um aviso que para todos
informa:
Desprezado e amaldiçoado; traidor
rasteiro.
XVIII
Do que um passado assim, melhor este
presente
Que eu volte então para meu caminho
triste
Nenhum som, nada que se veja ao longe
em riste.
Aparecerá morcego ou coruja após o
poente?
Perguntei quando algo na planície
descrente
capturou e dominou meu pensamento num
despiste.
XIX
Um súbito córrego atravessava meu
caminho
Veio tão inesperado quanto uma cobra
Sem o lento escorrer que a atmosfera
desdobra
Poderia ser um banho, com seu
burburinho,
Para o casco do demônio, a ver seu
redemoinho
Negro borbulhar com espuma e faísca rubra.
XX
Tão pequeno e ao mesmo tempo tão mau
Amieiros o cercavam, rasteiros e
mirrados;
Salgueiros afundavam-se e afogavam-se
desesperados
Numa síncope muda, num atropelo
mortal:
Quem os destruiu foi esse carrasco
manancial,
E, fosse ele o que fosse, fluía sem
ser desviado.
XXI
Bom Deus, ao adentrar seu leito,
quanto medo
De pisar o rosto de algum cadáver
humano,
A cada passo - tateando com um ramo
A cata de buracos - seus cabelos entre
meus dedos.
Um rato-d'água talvez tenha por acaso
lancetado,
Mas, argh, parecia o grito de um
menino.
XXII
Estava feliz quando cheguei ao outro
lado.
Agora terras melhores me esperam. Vã
esperança!
Quais foram os contendores? Qual foi a
matança?
Que trotar selvagem pôde fazer desse
solo molhado
Um atoleiro? Sapos em um tanque
infectado
Ou gatos selvagens numa cela em
incandescência -
XXIII
Assim deve ter sido a luta naquela
arena decadente
O que os trouxe até lá, se tinham toda
a planície?
Nenhuma pegada na direção daquela
imundície
Nenhuma dela se afastando. Alguma
poção demente
Agiu em seus cérebros, sem dúvida,
como no da gente
Escrava - judia e cristã - que o turco
atiçava por malícia.
XXIV
E além de tudo - a uma milha -, o que
era aquele achado?
Para que mau intuito servia aquela máquina,
aquela polia -
Um travão, não uma polia -, aquela
grade que fiaria
Corpos humanos como se fossem seda? O
ar desonrado
Dos rituais de Tophet, na terra
perdido, ou invocado
Para afiar o enferrujado metal da sua
gradaria.
XXV
Então uma terra de galhos, que um dia
foi floresta;
Depois algo como um pântano; e agora
apenas terra dura
Desesperada e acabada (um tolo
encontra ventura,
Faz algo e em seguida o destrói, seu
humor desembesta
E ele o abandona!). Por dez ares, chão
que cresta,
Lamaçal, seixos, areia, e uma
esterilidade negra, impura.
XXVI
Agora, pústulas inflamam-se em cor
forte,
E medonha. Agora, remendos onde a
aridez do chão
Tornou-se musgo, ou substâncias em
ebulição;
Surge então um carvalho, e nele há um
corte
Como uma boca distorcida que cava seu
porte
Num bocejo para a morte, morrendo em
seu repuxão.
XXVII
E tão longe como nunca o fim se
afigura!
Nada no horizonte senão a noite, nada
Que direcionasse adiante minha
passada!
Isso pensei, e surgiu um pássaro de imensa
negrura
Amigo de Satã, a asa de dragão, na
largura,
roçou meu gorro - talvez esta fosse a
guia procurada.
XXVIII
Ao olhar para cima, apesar do
anoitecer,
Vi com mais clareza. A planície dera
lugar
às montanhas que a cercavam - nome
muito invulgar
Para meras alturas feias e montes a
não mais ver.
Como poderiam elas ter-me
surpreendido, tente esclarecer!
Como vencê-las também não era fácil
deslindar.
XXIX
Mas ainda assim, pareci reconhecer
certo truque
Do qual fui vítima, Deus sabe quando -
Talvez em um mau sonho. Aqui estava
terminando
O progresso por este caminho. Quando
fiz que
desistia, mais uma vez, soou um clique
Como o de um alçapão atrás de mim se
fechando.
XXX
Veio a mim de imediato, como fogo em
um milharal,
Era este o lugar! À direita, esses
dois morros, agachados,
como dois búfalos com os chifres
enganchados;
Enquanto à esquerda, uma montanha
alta... Boçal,
Imbecil, vacilar logo na hora mais
crucial,
Você que treinou uma vida para ter
olhos afiados!
XXXI
E se a própria Torre estivesse no
centro? Redonda
e atarracada, cega como um coração
rasteiro,
Feita de pedra marrom, sem igual no
mundo inteiro.
O elfo, caçoando da tempestade que o
ronda,
Aponta ao timoneiro o banco que
ninguém sonda.
Ele aporta, por pouco não rompendo do
casco o madeiro.
XXXII
Não vê-la? Talvez por conta da noite?
- se o dia
Ressurgiu para isto! E antes de partir
novamente
O poente brilhou por uma fenda rente:
As colinas, como gigantes caçadores na
tocaia,
Esperando que a presa na armadilha caia
-
"Agora ataquem e matem a
criatura, inclementes".
XXXIII
Não ouvi-la? Com tantos sons à volta!
O ribombar
dos sinos cada vez mais alto. Nomes
nos meus ouvidos
Todos os aventureiros, meus
companheiros perdidos -
Como, se um era tão forte, outro de
tão corajoso bradar,
Outro tão afortunado, como foram
perdidos acabar?
Um instante trazia tantos anos de
sofrimentos renascidos.
XXXIV
Ali estavam eles, pelos lados dos
montes, unidos
Para assistir meu fim. Eu, uma moldura
animada
Para mais um quadro! Numa súbita
labareda
Eu os vi e reconheci a todos. E,
destemido,
Deixei meus lábios formarem um
bramido:
"Childe Roland à Torre Negra
chegou", foi minha chamada.
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